Cristina
Strapação

Texto de Regina Casillo

O Mar em Pessoa

Paul Klee sabiamente definiu: “a arte não reproduz o visível; torna visível”. Nasci no Rio de Janeiro. Para mim o mar sempre foi fascínio e parte integrante da mágica da vida. Percorri o caminho inverso de Cristina. Do litoral fui viver no planalto. Cristina desceu a serra e com seu grande talento pintou o mar de uma tal forma que ele se tornou, para todos nós, mais visível.

A Galeria de Arte do Solar do Rosário, em Curitiba, completa este ano 20 anos de atividade na área de arte e cultura. Cristina Strapação, curitibana de nascimento e paraibana de coração, faz parte do rol de artistas com os quais trabalhamos, respeitamos, admiramos e queremos cada vez estar mais perto. São artistas do bem que irradiam luz com sua arte. Talento e habilidade artísticas não lhe faltam. Técnica também não. Mas o que seria da técnica que é uma ferramenta burilada por Cristina sempre e sempre se não houvesse o dom? O dom é vocação, é alma, é emoção e força. É sobretudo sensibilidade. E isto sobra na nossa cara pintora.

Fui às fontes e descobri que nosso país continente possui quase 7.400 kms de litoral e que o contorno da costa brasileira aumenta para 9.200 kms se considerarmos as saliências e reentrâncias deste imenso e misterioso oceano atlântico que convive com terras brasileiras desde o Cabo Orange até o Arroio Chuí. São muitos os mangues, as dunas, as lagoas e restingas, as falésias e salinas. Belezas indescritíveis que só com muita observação, técnica aliada ao talento é possível colocar dentro de uma tela. Em nossa Galeria assisti muita gente se emocionando e viajando nas telas de Cristina Strapação. Foi na exposição “O Mar em Pessoa”. Eram expressivas telas inspiradas no mar, nos barcos, nas praias e ilhas do litoral dos dois estados: Paraíba e Paraná. Ora dirigíamos nosso olhar para a Ponta do Seixas, em João Pessoa, ora para a Praia do Farol na Ilha do Mel, santuário ecológico do Paraná. Mas sempre flutuamos pelas águas infinitas da arte e da poesia de Cristina. Obrigada, querida artista. Vale a pena viver para conviver com a beleza da verdadeira arte.

Regina Casillo Diretora da Galeria Solar do Rosário – Curitiba-PR

Texto Madalena Zaccara

Imagens Pós-Modernas: a realidade é uma construção

Quereis que vos conte o que eu sonhava à beira-mar?
(Fernando Pessoa)

Em nosso mundo globalizado, pós-moderno, a padronização e universalização das vivências tradicionais, expressões culturais e identidades locais caminha junto com a sua fragmentação e com o entrelaçamento de representações provenientes dos múltiplos valores de uma sociedade em processo de contínua mutação: um mosaico de informações díspares que, curiosamente, estabelecem um modelo real e concreto. Esse tipo de situação se organiza cada vez mais em sintonia e dependência com a produção e difusão de imagens, que veiculadas pela mídia acabam por (re) definir toda uma realidade coletiva.

Estamos tão desacostumados a “ver”, enquanto atitude independente, tão desancorados da realidade que o “real” assombra a nossa ótica ficcional cotidiana. Ou seja: quando temos que pisar no terreno firme de uma realidade que desaprendemos a ver, muitas vezes já não conseguimos atravessar o que se transformou em um cenário existencial marcado pelo simulacro e pelo virtual.

Ao mesmo tempo, nossa demanda pelo “real” que, por vezes, apenas pressentimos, tem que ser abastecida de algum modo para podermos esperar pisar em algum terreno firme e reaprender a olhar enquanto uma percepção sensorial pessoal. É então que a poética de Cristina Strapação, com seus recortes de uma realidade aumentada por lentes hiper- realistas, pode ajudar (re) direcionando o nosso olhar atordoado para elementos de um cotidiano que esquecemos: falando do mar mesmo em uma cidade litorânea como a nossa. Ela retira as imagens de seu circuito habitual (onde não as enxergamos mais) e as reconstrói: recuperando-as enquanto objeto de arte.

O sistema de recuperação de Cristina baseia-se na desconstrução e reconstrução do clichê, essa imagem da imagem através da qual a nossa visão das coisas se sedimenta e se torna estática no fluxo do tempo. Cada tela dessa série pintada pela artista funciona como um palco ocupado por cenas facilmente reconhecíveis: todas elas fazem parte de um litoral que é nosso conhecido não só do espaço geográfico de João Pessoa, mas de um espaço universal. São ondas milenares quebrando na areia de praias desertas, barcos solitários esperando ao sol, areia que percorremos atavicamente em nossa atração recorrente pelo mar ancestral. Curiosamente inexiste o humano: como se ele tivesse perdido o direito de estar na paisagem da qual não se recorda mais.

Com o virtuosismo típico dos hiper- realistas ela nos transporta para cenários onde o nosso atordoamento urbano pos-moderno se pergunta de que lado está a realidade e de que lado está a ilusão.Suas (re) construções colocam então o visitante, que deveria fazer parte do acontecimento, como voyeur de sua própria (e esquecida) realidade.

Madalena Zaccara
Outubro de 2010

Texto Irismar Andrade

CRISTINA STRAPAÇÃO

Cristina Strapação, natural de Curitiba, está radicada há poucos anos, em João Pessoa. O seu trabalho é construído de dentro para fora e tem por base a sua primeira profissão: Assistente Social. Todo o seu conhecimento humanístico, ela transpõe para a tela; quando pinta os deserdados da sociedade; os protestos contra o descaso das riquezas culturais e naturais de João Pessoa, onde mora; quando valoriza a educação como meio principal de inclusão social; quando, em trompe-l’oeil, pinta lápis, borrachas, livros; quando pinta a pobreza, a barreira do Cabo Branco, o descaso com as igrejas barrocas do Centro Histórico. A artista também registra as belezas de nossa cidade, principalmente quando mergulha seu olhar na águas do Atlântico que banha nosso litoral.

O seu trabalho tem por base, de certa maneira, um retorno à ordem, tanto no desenho, na cor, como no contexto social.

Nesse período cognominado de Pós-Modernidade, onde tudo é possível, onde qualquer pessoa vira artista plástico do dia para a noite, à artista trafega na contramão da mesmice, no que é da moda, persistindo no compromisso com o seu tempo, participando com sua opinião e retorna ao centro do saber em arte, reafirmando que arte não pode ser auto-suficiente, mas tem, de alguma maneira, de ser um registro singular do artista e de sua época.

Em suas telas aparecem as suas borboletas como símbolo de liberdade e transformação. Introduz, suavemente, os seus sonhos em seu trabalho, deleitando os olhos de quem a vê, pelo domínio da técnica, do tema e da beleza, muitas vezes recorrendo ao recurso chamado de quadro dentro do quadro, técnica desenvolvida por Filippo Lippi(1406-1469).

Musicalmente, os seus trabalhos são embalados na linha da bossa nova, com ritmo, melodia e boas letras.

Por fim, faz uma reconciliação vital entre o artista com tudo o que o rodeia, tendo como base a reconstrução de valores afirmativos da natureza humana.

Cristina Strapação confirma o que diz Sir Herbert Read, professor de Belas Artes na Universidade de Edimburgo e Doutor honoris-causa da Universidade de Leeds, tendo lecionado também nas Universidades de Harvard, Liverpool: “A função da arte consiste em exprimir sentimentos e transmitir compreensão,” características encontradas nos trabalhos da pintora Cristina Strapação.

Irismar Andrade
Artista Plástica e pesquisadora na área de História da Arte

Texto Bené Fonteles

Maria das Águas

O templo da natureza nordestina é a paisagem d’alma de Cristina. A passagem do tempo - que nada tem a ver com a eternidade - está a desenhar nuvens sobre a riscadura de horizontes, que não divide nosso olhar parcial sobre a paisagem pintada. Ele é cúmplice da luminosidade transparente em que a destreza de suas pinceladas desafiam o real sobre a brancura da tela a criar novos climas e que já não dependem só do onírico. O sonho já está explícito em revisitar o paraíso nunca perdido que ela oferta generosa a si mesma e ao outro.

Cristina está posta herética entre o mar e as nuvens, pagãos, como foram os indígenas potiguaras que primeiro povoaram e descobriram antes dos invasores a felicidade na costa paraibana. Ela desenha sob o olhar da mesma pureza uma linha de horizonte que divide duas paisagens quase distintas: numa, a luz n’água marinha é de intenso verde, noutra, é o intenso azul quase turquesa sobre os quais pairam as nuvens densas prontas a chover ou verter o inesperado luminoso dos raios.

Aportam nas praias através da meticulosa artesania da artista, os barcos que aprendeu a amar no litoral paranaense, ou, as jangadas nativas de nossa vasta costa. Ela sonha com olhos praieiros e pinta o som do ritmo de ondas e marés...

Não há mais só o preciosismo técnico ou o máximo desvelo da artesã a impressionar com seu apurado hiper-realismo, ou ainda, com as facilidades dos climas surreais. O desafio agora é maior no embate onde termina a natureza e começa a arte.

A oportuna boa nova de amar a pintura através da paisagem desvelada sobre a superfície da tela-retina pede agora um outro ousado olhar, ainda mais sensível e carinhoso sobre sua própria natureza interna.

Cristina deita sobre esta “tela-retina” o gesto da vera alquimista que traduz em cor e coragem através das sutilezas cromáticas. Quer ir além de uma terra que sobe para um céu que desce... ambos reencontram-se na linha horizontal de uma natureza recriada para romper as fronteiras do real. Só o olhar poético pode captar as sutilezas do transcendente que ela nos oferece por inteira.

Cristina depurou-se. Libertou-se do reino da figuração explícita. Agora as paisagens se minimalizam e chegam à praia do essencial. Quase hai-kais. Uma visão eivada de simplicidade e respeito que presta um culto oculto ao natural indo mais na natureza da artista do que adentrando num possível mar...

Sábia, já sabe que o ato de pintar não só requer a maestria do fazer e a soltura do imaginário. Fazer arte é transgredir a realidade, ir ao que transcende, mas não cinde a cultura e a natureza. Faz uma arte que enobrece e dá força e luz ao espírito. Traz para a retina-cor-ação o que não é só maré no mar, ou o que pesa ou é leveza nas nuvens, ou ainda, o que é notícia da tarefa árdua que nos reporta às vivências nas embarcações sobre água e areia.

A ausência do humano na envergadura dos barcos e jangadas sugere também a presença sutil do pescador, que se impõe mesmo assim sobre todas as coisas pintadas.

“Marca o homem sobre o chão / leva no coração uma ferida acesa / dono do sim e do não / diante da visão da infinita beleza / finda por ferir com a mão / esta delicadeza / a coisa mais querida / a glória da vida.”

Assim como os versos da canção de Caetano, Cristina pinta com gestos de luz e cor, pedindo para não ferirem com a dura mão, estas delicadezas naturais da paisagem que, por enquanto, até pintá-las, são solitariamente suas e da intimidade do atelier luminoso na Ponta do Seixas.

Estes recortes utópicos que ela por querer bem ao litoral paraibano, deseja, permaneça belo e sã são a recriação de um paraíso perdido. E ela nos lembra que este paraíso é ainda mais solidário dentro de nós mesmos e que é possível habitá-lo com criativa responsabilidade além da realidade pintada. Um lugar de ousar ser, e como disse Gauguin, para também se “atrever a tudo”. Nele, enfim, se guarda e nos aguarda a visão privilegiada, não só imaginosa, da “infinita beleza”.

Bené Fonteles
Brasília, março de 2009